Regulamentação do mercado de carbono ajudaria Brasil a manter exportações competitivas

Implantação do novo regime de carbono europeu, em 2026, coloca pressão sobre empresas exportadoras; lei que cria mercado regulado brasileiro já está perto da aprovação, mas implementação do sistema deve levar alguns anos

Em outubro de 2023, a União Europeia começou a implementar o Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM), um sistema que irá estimar -e taxar- as emissões de CO2 dos produtos exportados para o Velho Continente. O CBAM atualmente se encontra em uma fase de transição, na qual setores que emitem muito carbono somente são obrigados a reportar suas emissões. Porém, a partir de 2026, haverá a implantação do regime definitivo, que irá impactar diretamente os exportadores brasileiros. 

Para que os produtos possam entrar no continente europeu, terão de possuir certificados de carbono CBAM, que serão emitidos e comercializados pela União Europeia. Isso elevará o preço das mercadorias, reduzindo sua competitividade, ou reduzirá as margens de lucro dos exportadores brasileiros. Porém, a nova legislação europeia também prevê que, caso o carbono já tenha sido precificado e pago no país de origem, o CBAM pode ser deduzido. 

Isso significa que, em tese, os exportadores poderão utilizar créditos adquiridos no mercado voluntário brasileiro para abater do CBAM. Mas, como aponta um estudo publicado pela ICC Brasil e pela Way Carbon, seria importante que o país tivesse também um mercado regulado para se adaptar melhor ao CBAM, que poderá resultar em uma perda de até US$ 444,3 milhões na renda dos exportadores brasileiros.

Segundo o estudo, a existência de um mercado regulado universalizaria os processos de precificação do carbono, tornando-os mais eficientes, e prepararia as empresas brasileiras para cenários de controle de emissões. Com isso, fortaleceria a posição geopolítica do Brasil – que poderia negociar a isenção do CBAM para determinados produtos e setores. Inicialmente, o CBAM irá incidir sobre os setores de aço, cimento, fertilizantes, alumínio, hidrogênio e eletricidade, mas a lista poderá ser ampliada nos anos seguintes. No Brasil, afirma o estudo, os setores siderúrgico e agrícola são os mais expostos ao CBAM, pois o Brasil está entre os principais exportadores desses produtos para a União Europeia. 

A existência de um mercado regulado de carbono no Brasil também ajudaria o país a cumprir compromissos internacionais como a NDC (sigla em inglês para “contribuição determinada nacionalmente”), pela qual o País se comprometeu a reduzir em 43% suas emissões de CO2, em relação aos níveis de 2005, até o final desta década. “Ao estabelecer um mercado regulado de carbono, nós passamos a contar com alternativas econômicas para controle de emissões”, afirma Matheus Soares Matos, sócio do escritório de advocacia Barral Parente Pinheiro e especialista em carbono. 

Ele ressalta que o Artigo 6 do Acordo de Paris, assinado por 195 países em 2015, já prevê a adoção de mecanismos de mercado, com precificação e comercialização do carbono, no enfrentamento ao aquecimento global. “Quando a gente se atrasa nessa discussão, a gente deixa de atrair investimentos estrangeiros e nacionais em projetos de sustentabilidade que vão gerar créditos de carbono”, acrescenta Matos. Segundo estimativa da consultoria McKinsey, o mercado brasileiro de carbono tem o potencial de alcançar US$ 35 bilhões até 2040. 

O Projeto de Lei 2.148/15, que regulamenta o mercado de carbono no Brasil, foi aprovado pela Câmara dos Deputados em dezembro de 2023, e agora está sendo apreciado pelo Senado (que o rebatizou como Projeto de Lei 182/2024). O texto prevê o estabelecimento de limites de emissões de CO2 para empresas e organizações. Aquelas que emitirem além das metas terão de compensar isso adquirindo créditos de carbono; as que gerarem menos CO2 que o permitido, por outro lado, poderão gerar créditos e vendê-los no mercado. 

“O projeto tem como base os mercados de carbono e regulação de emissões da Europa, por exemplo, mas ele tem algumas características muito voltadas ao mercado brasileiro”, diz Matos. “Um movimento interessante foi a retirada do agronegócio primário dos setores que seriam regulados. Isso mostra que o projeto está, em alguma medida, respeitando um pouco do que é o mercado brasileiro, e de onde estão concentradas suas emissões”, afirma.

Matos considera o projeto bom, mas afirma que ele ainda precisa de ajustes finos. “O Brasil, diferentemente da Europa, tem suas emissões voltadas principalmente para as questões relacionadas a combate ao desmatamento”, lembra ele. Ao contrário do continente europeu, que ainda usa carvão para gerar eletricidade, o Brasil possui a matriz energética mais limpa entre as dez maiores economias do mundo. Seu ponto mais crítico, em termos de emissão de carbono, são as queimadas florestais.

A aprovação do projeto está relativamente próxima: acredita-se que possa ocorrer já este ano, ou no mais tardar antes da COP 30, conferência da ONU sobre mudanças climáticas que será realizada no Brasil, em Belém do Pará, em novembro de 2025. Porém, a implementação do mercado regulado levará mais tempo. 

Após a aprovação do projeto de lei, terá início a constituição do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), que será supervisionado por um ministério ou agência governamental. Estima-se que esse processo deva levar aproximadamente três anos – pois será necessário construir todo o sistema do zero. “É como se o Brasil tivesse que regulamentar todos os PROCONs, toda a estrutura dentro do Ministério da Justiça, todos os postos de fiscalização [de direitos do consumidor]“, compara Matos. 

Será um esforço considerável. Mas que, além de alinhar o Brasil a iniciativas internacionais (União Europeia, China, Canadá, Coreia do Sul, Cingapura, México e a Califórnia, nos EUA, já regulamentaram seus mercados de carbono), é visto como essencial para que o País alcance seu potencial na economia verde ao longo das próximas décadas. “O Brasil, com sua geografia e biodiversidade, tem aptidão a se tornar sede de projetos de sustentabilidade, com reduções de emissões ou armazenagem de carbono, de forma inigualável com qualquer outro país do mundo”, resume Matos.

¹ Oportunidades para o Brasil em mercados de carbono. ICC Brasil/Way Carbon, 2023.
² Um tesouro escondido – a oportunidade para o Brasil se tornar líder na nova economia verde. McKinsey & Company, 2022.
³ Ember Electricity Data Explorer. Ember, 2022.

 


Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe este post: